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DIÁRIO DE UM SKINHEAD

Este trecho foi retirado do livro ‘Diário de um Skinhead’, de Antonio Salas, codinome do jornalista espanhol que, durante um ano, se infiltrou no movimento Skin em Madri. Neste livro, ele demonstra as várias conexões que o movimento tem em outros países, com partidos políticos, bandas, torcidas de futebol e dirigentes dos clubes, além é claro de relatar o dia-a-dia violento deles.

Vale bastante à pena a leitura, apesar da tradução ser fraca e demonstrar desconhecimento em vários assuntos tratados, como o futebol. Tem um filme baseado no livro também, com o mesmo nome, que dá pra assistir no youtube, mas é muito ruim. Enfim, este trecho é a fala de um dos membros da Ultras Sur, torcida do Real Madri ligada ao movimento nazi, sobre a sua formação até a primeira metade da década de 90.

 

Capa do livro

Capa do livro

Caprichos do destino. Waffen acabava de comprar em um antiquário madrilense uma adaga da SS muito parecida com a que o Doninha  havia dado de presente ao meu amigo da Ku Klux Klan, só que a de Waffen era uma cópia, pela qual havia pago uma pequena fortuna. O que me deixava claro, se é que havia alguma dúvida, que dispunha de grandes recursos financeiros, apesar de ser estudante. O jovem skinhead, neonazi e mdrilista até a alma, me contou histórias da coletividade em que eu iria agora me integrar, enquanto comíamos uns hambúrgueres no Mc Donald’s de Concha Espina, a poucos metros do Bernabéu. Esse é um resumo da história da Ultras Sur, narrada por eles mesmos:

‘Tudo começa no final dos anos 70, quando aparece, dentro da torcida As Bandeiras, um grupo de jovens com uma ideia um tanto ‘particular’ de entender o futebol, embora no princípio tenham sido acolhidos normalmente e tenham se filiado à torcida, em sua maioria. Já transcorria a temporada 1981-1982, quando o Real Madri disputa a final da Copa do Rei, em Valladolid, contra o Sporting de Gijón, partida na qual esse grupo de jovens, ainda pertencentes à torcida As Bandeiras, protagoniza uma série de incidentes com os torcedores da Fondo Sur, do Sporting, atualmente Ultra Boys. Por causa desses incidentes, são expulsos da torcida, o que cria as bases para a fundação da Ultras Sur.

Assim, na apresentação do Real Madri 1982-1983, esse grupo de jovens liderado por Antonio Guerrero decide formar a Ultras Sur, ato que toma forma definitiva com a criação da primeira carteira de identidade do grupo. Nessa temporada têm lugar os acontecimentos que lançam a Ultras Sur nas primeiras páginas dos jornais; o primeiro foi por ocasião do jogo do campeonato da Liga disputado pelo Real Madri em Valência, partida que perdeu por 1×0 e que determinou a perda do título, o que fez com que os cerca de cinquenta ultras que tinham viajado para a cidade de Túria começassem a agredir os torcedores valencianos. A segunda ocorrência dessa temporada 82-83 foi a final da Copa disputada contra o Barcelona, em Saragoça; nessa ocasião, os incidentes com os torcedores catalães, desde a chegada dos madrilistas à Praça do Pilar, continuaram durante a partida e não terminaram até várias horas depois do jogo. Assim se pode ver que, desde o primeiro ano de atividades como grupo ultra realmente, vieram arrastando a ‘fama’ que os precede. A temporada 82-83 terminou com o depoimento de diversos integrantes da Ultras Sur frente à comissão de disciplina do clube branco, para explicar diversos incidentes em Chamartín, além dos já relatados, na final em Saragoça.

mosaico real madri

Na temporada 85-86 tem grande importância, também, a imensa bandeira patrocinada pela Comunidade de Madri, que foi estendida pela primeira vez por ocasião do jogo Real x Barcelona desse ano; a maior bandeira jamais estendida em um estádio espanhol. Sem dúvida, porém, o mais relevante nessa temporada foram os acontecimentos em Alicante quando da visita do Real; deslocaram-se para lá uns 200 ultras, que chegaram na véspera da partida. Já nessa noite, em um bar, algumas pessoas começaram a cantar o hino do Barcelona, o que terminou em agressões, o bar destroçado e oito ultras detidos. No dia seguinte, já no estádio, quando o Real Madri marcou o terceiro gol, os torcedores locais começaram a arremessar objetos nos madrilistas, os quais acabaram atacando, na arquibancada, lembrando a tragédia de Heysel, ocorrida no ano anterior, o que terminou com outros ultras detidos. Infelizmente, é preciso também lembrar que nesse ano, depois de uma partida de basquete disputada pelos brancos, a Ultras Sur se apresentou no estádio Vicente Calderón, onde jogavam o Atlético de Madri e o Castilla, e entraram no Fondo Sur, agredindo os torcedores atleticanos.

A temporada 86-87 talvez tenha sido a mais importante da história desse grupo, já que marca sua completa consolidação como grupo ultra, uma vez que o lança no ‘estrelato’, tanto nacional quanto internacionalmente. No mês de outubro, na partida de basquete que o Real Madri disputou na quadra do Estudantes, ocorreram numerosíssimas agressões por parte da Ultras Sur aos torcedores estudantinos. Somente um mês depois desses incidentes o conjunto branco viajou para Valladolid para uma partida da Liga, acompanhado, naturalmente, por seus fiéis seguidores. Tudo normal, até que em um determinado momento da partida, e diante dos contínuos insultos a que se viam submetidos por parte dos valadolidenses, os ultras madrilistas deram início a uma série de ataques e brigas dentro da própria arquibancada, o que trouxe à memória da sociedade as imagens protagonizadas pelo mesmo grupo, apenas alguns meses atrás, em Alicante. Tudo isso trouxe grandes ondas de protestos, uma vez que o nome da Ultras Sur era continuamente atacado, o que criou uma espécie de psicose, como jamais se tinha visto na Espanha. No mês de janeiro, na partida contra o Bétis, os seguranças privados do estádio investiram brutalmente contra o grupo, tendo os ultras reagido às agressões, o que levou os agentes a fazer quatro detenções. E isso era apenas uma amostra da psicose contra os ultras; até o Sindicato Profissional da Polícia Uniformizada e a Associação Independente da Polícia consideraram desproporcional e fora de lugar a atuação dos seguranças.

grafite ultras sur

Depois desses acontecimentos, disputava-se no estádio Bernabéu uma partida amistosa entre as seleções da Espanha e da Inglaterra, para a qual vieram das ilhas 200 hooligans, isso fez com que a polícia intensificasse as medidas de segurança, e mesmo assim três torcedores britânicos foram esfaqueados pelos ultras, no próprio dia da partida.

Com tudo isso, chegamos à temporada 87-88, que começa com os reflexos da partida do ano anterior contra o Bayern, que faz com que o Real jogue sua primeira partida da Copa da Europa, contra o Nápoles, com os portões do Bernabéu fechados; para a segunda rodada eliminatória o Real Madri se deslocou para Valência para enfrentar o Porto, e a Ultras Sur viajou até a cidade de Túria, voltando a provocar incidentes com os portugueses antes, durante e depois da partida, já que, além do mais, estavam localizados exatamente acima dos torcedores chegados de Portugal. Antes desses acontecimentos, e durante a partida do troféu Santiago Bernabéu, disputada contra o Everton, 180 membros do grupo foram expulsos do estádio. Nessa temporada, no jogo contra o Atlético, no Bernabéu, e quando o Real Madri já estava perdendo por 4×0, na metade do segundo tempo, os brancos ultras invadem a zona do terceiro anfiteatro, onde se localizava a Frente Atlético, e desencadeiam uma investida sem precedentes até então contra nenhum grupo ultra dentro de um estádio; nesse encontro, depois de acabado, também saiu esfaqueado um torcedor do Atlético.

Quanto à partida no Calderón, é preciso registrar que o ônibus que transportava os jogadores alvirrubros, e que chegou ao estádio com apenas uma hora de antecedência, foi apedrejado pela Ultras Sur na M-30, bem perto do estádio. Sobre essa temporada também é preciso dizer que na saída de um Real Madri x Estudantes foi agredido Javier Garcia Coll, jogador estudantense, que também teve seu carro avariado. Finalmente, devemos dizer que houve um programa de Iñaqui Gabilondo, intitulado ‘Em Família’, em que membros da Ultras Sur, com o rosto velado, fizeram duras declarações, além de ser a primeira vez que grupos de ultras se apresentaram diante das câmeras em um programa ao vivo.

Assim, chegamos à temporada 88-89, que começa com a morte, no verão de 88, de Toni, membro carismático do grupo. Continua no mês de setembro com a viagem do grupo a Gijón; assim, na véspera do jogo, um ônibus do grupo viajou até as terras asturianas, e lá chegando tomou o caminho de Oviedo, onde eram as festas do padroeiro; uma vez ali foram constantemente provocados até que desencadearam gravíssimos incidentes que acabaram com a detenção de 24 ultras brancos. A partir desse ano, começa a ficar mais forte a amizade que há muito unia a Ultras Sur com a Brigadas Alvicelestes do Español; são feitas fotomontagens amistosas e os dois grupos também se unem na celebração do 20-N do ano de 88, e a amizade fica finalmente selada quando, em 13 de maio de 90, quatro membros da Ultras Sur se deslocam para Sarriá, convidados pelas Brigadas para assistir à partida de promoção contra o Bétis, para a qual colocam pela primeira vez a faixa da Ultras Sur no Fondo Sur de Sarriá. Nas finas da temporada, o grupo da Ultras Sur semeia o pânico na zona madrilense de Moncloa com inúmeras e graves agressões (algumas com armas brancas), que terminam em 15 de dezembro de 90 com a detenção de alguns de seus líderes. O final dessa temporada tem lugar com a disputa, por parte do Real Madri, da final da Copa do Rei, frente ao Valladolid, no estádio Vicente Calderón; os ultras madrilistas se aproximaram do estádio do eterno rival, voltando a instalar o pânico entre os aficionados locais, do que resultaram quatro feridos – um dos quais teve de ser operado depois de ter sido apunhalado – e numerosas denúncias apresentadas contra a Ultras Sur por agressões.

Conexão Ultras Sur-Brigadas

Conexão Ultras Sur-Brigadas

Também há coisas a destacar na temporada 90/91, na qual, em razão da partida da Copa no Vicente Calderón, aproximadamente 300 ultras mdrilistas se concentraram na Praça Maior de Madri e se dirigiram ao estádio. Uma vez atravessada a Porta de Toledo, foram parados pela Polícia Nacional e, devidamente escoltados, foram localizados na tribuna do Manzanares; essa é a primeira vez que a Ultras Sur é levada dessa maneira ao Calderón, o que será uma norma a partir desse momento nos deslocamentos para o estádio vizinho, e que hoje nos parece tão natural. Assim, meses depois e em razão da partida da Liga, organiza-se uma nova concentração na Praça Maior, já combinado previamente com a Polícia Nacional, e à qual comparecem uns 500 membros do grupo, a representação mais numerosa até então. Dessa temporada é preciso comentar também que, pela primeira vez em muitos anos, um pequeno grupo organizado de Boixos Nois* (aproximadamente uns 20) se desloca para o Bernabéu. Uma vez iniciada a partida, os ultras decidem subir até o terceiro anfiteatro e investem contra os torcedores do Barcelona, que haviam se deslocado para o estádio sem escolta policial; sem opor quase resistência, devido ao seu pequeno número, não têm outro remédio senão abandonar o estádio às pressas.

Assim chegamos à temporada 91/92, na qual o mais significativo foi, sem dúvida, o barco viking preparado contra o Atlético de Madri; esse talvez tenha sido um dos tifos** em que mais pessoas tiveram que colaborar, já que a construção completa do barco, que demorou cerca de uma semana, ficou a cargo do grupo. Como piada, é preciso comentar que, pelo seu grande tamanho, era impossível  fazê-lo subir ao Fondo Sur, e por isso o barco teve de ser introduzido por uma porta normal de entrada para o campo. Esse barco levava consigo um acompanhamento de ondas, as quais não puderam ser montadas na sua totalidade porque, uma hora antes da partida, a polícia qubrou a maioria delas, já que os ultras levavam pequenos bastões para esticá-las.

ultras saudação

Nessa temporada 91/92, e em razão do choque contra o Atlético de Madri em Calderón, uns quinze membros da Ultras Sur se apresentam várias horas antes da partida na Praça Maio, lugar habitual de concentração madrilista, e qual não é sua surpresa quando aparecem uns quarenta indivíduos, entre membros da Frente Atlético, juntamente com membros da seção Centro dos Boixos Nois, convenientemente armados, os quais acabarão fugindo do enfrentamento com os ultras. Nessa temporada também é preciso ressaltar que pela primeira vez os ultras brancos foram organizadamente ao Nou Camp e, ocupando oito ônibus, uns 450 membros do grupo acorrem à cidade condal, onde são acompanhados por uma centena de membros das Brigadas Alvicelestes do Español. Essa temporada também marca o início das viagens organizadas ao exterior, e cabe assim destacar a viagem a Turim, na Copa da UEFA, assim como o deslocamento até Nantes, para a final da Recopa da Europa de basquete contra o Paok de Salônica. O final dessa temporada ocorreu com a disputa do último encontro da Liga contra a equipe que se convertera na ‘besta negra’ dos madrilistas: o Tenerife. Para isso cerca de 300 ultras madrilistas se dirigem às Ilhas Canárias para apoiar a equipe, que acabou perdendo a Liga, o que provocou uma grande onde de violência na saída do jogo, resultando em numerosos feridos, bares quebrados, carros destruídos, etc. Nessa temporada também houve uma tentativa de legalizar o grupo, para que foi criada uma junta diretiva composta de umas dez pessoas, que se encarregou de preparar os estatutos da torcida e de levá-los ao Ministério do Interior, embora este acabe não concedendo o visto necessário para a legalização. Apesar disso, ante a negativa do Ministério, apareceram algumas dissensões entre membros do grupo, o que resultou na criação, na temporada seguinte, do grupo Orgulho Viking, embora a maioria do grupo não tenha se ressentido praticamente nada dessa dissensão.

Sem dúvida, o aspecto mais importante do grupo nessa temporada 92/93 foi o dos deslocamentos, já que os ultras estiveram presentes em La Coruña, onde aconteceram enfrentamentos com a polícia, Vigo, Olviedo, Logroño, Saragoça, Barcelona contra o Español, Burgos, Valência, Sevilha, Cádiz e Paris, para onde se deslocaram uns 350 membros do grupo, que tiveram o ‘gosto’ de poder queimar alguns fogos e montes de fumo, o que é proibido na Espanha. Essa temporada volta a se concluir com um deslocamento para Tenerife, onde o Real Madri tornou a jogar a Liga e tornou a perder. Mas não é só isso; na noite anterior – e devido a uma criancice sem importância, por parte de uma dupla de membros do grupo no hotel onde se hospedaram, que consistiu em acionar um extintor – o porteiro chamou a polícia e essa, alertada e contrariada com os incidentes que haviam ocorrido no ano anterior, em um repente, irrompeu desapiedada e injustamente nos apartamentos ocupados por membros da Ultras Sur – alguns dormiam, outros jogavam cartas – e, valendo-se da extinta ‘lei Corcuera’***, prendeu dezessete membros da torcida. Alguns são arrancados à força, meio desnudos, e têm de ficar três noites na delegacia. Mais tarde seriam acusados de desordens públicas e de se atirar do terraço na piscina (existem fotos que demonstram que era impossível se atirar na piscina, mas o juiz não as levou em conta) etc. O tratamento por parte dos funcionários foi bom e só tiveram algumas discussões com algum drogado…’

 

*Boixos Nois – Jovens Loucos em catalão. Nome de uma torcida organizada do Barcelona.

**Tifo – Desiganação dada, na Europa, a qualquer coreografia ou cenografia espetaculosa apresentada por torcedores nas arquibancadas de um estádio, principalmente de futebol.

***Lei Corcuera – Lei que trata da proteção e da segurança do cidadão.

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