Para cada clube, duas torcidas

 Por João Bruxo

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Nesta quinta-feira o Palmeiras jogou – e venceu a Ponte Preta por 2 a 0 – no Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho. O seu, o meu, o nosso.

No entanto não vou falar da bela surpresa que Alberto Valentim tem mostrado, nem das esperanças reacendidas nos mais otimistas. Sim, essas são coisas que nos fazem se apaixonar pelo futebol. Mas têm outras. Vou falar da torcida, do ônibus que sai da Marquês de São Vicente e vai ao Pacaembu e de como tudo isso é maravilhoso. Ir ao estádio.

Não estou falando de “experiência”. Estou falando de ir ao estádio. Aquela coisa corriqueira e deliciosa que a gente costumava fazer um tempo atrás. A um estádio propriamente dito. De cimentão mesmo, daqueles que você consegue se mexer sem bater o joelho numa maldita cadeirinha. Não essas novas arenas (a nossa, a dos rivais e tantas outras dessas que fizeram afora). Frias e calculistas. Projetadas para a vigilância.

Estive em Montevideo no começo do ano. Uma baita jornada, aliás. Mas me atenho ao fato de que a Mancha Verde, naquela ocasião, lançou uma música muito legal que dizia que o torcedor larga tudo para ver o Palmeiras jogar. Que outro lugar e situação poderiam contrariar a letra? De lá pra cá, a principal torcida organizada do Palmeiras tentou por diversas vezes cantar esta nova música, de letra mais longa, nos jogos da Arena, mas foi ontem, no bom e velho Pacaembu que ela pegou de verdade e o estádio inteiro, crianças inclusive, se contagiaram com o ritmo.

Meu amigo de arquibancada e companheiro de futebol de várzea e boemia (também um excelente jornalista) que muitos aqui conhecem como Leandro Iamin me chamou a atenção para isto que falei acima. “Sabe por que essa música foi lançada de verdade aqui no Pacaembu? Porque isso aqui é um estádio de verdade, as pessoas que vêm aqui, vêm aqui pra isso”. Leandrão, meu parceiro, não tem o que pôr nem tirar.

A caminho do santuário

Terminei minha jornada de trabalho nesta quinta por volta das cinco e meia da tarde e já corri para o ponto de ônibus. Um para a Marquês de São Vicente e, em seguida, outro até a Praça Charles Miller. Mas esse segundo demorou demais.

Normalmente eu fico louco da vida quando o ônibus atrasa tanto assim – o que não é saudável, pois moro em São Paulo e ando de ônibus. Mas o Palmeiras ia jogar no Pacaembu e torcedores iam acumulando no ponto de ônibus a cada minuto de atraso. E para além dos seres humanos, um grupo de maritacas, surpreendentemente tomava de assalto uma árvore no canteiro central da avenida e cantavam. Era a natureza prevendo a vitória.

Um rapaz, recém saído do trabalho, ainda se vestindo de verde me pergunta:

  • Esse ônibus vai pro Pacaembu?

Não ia. Era um ônibus que iria por Perdizes. Mas começamos a conversar. O cara era um trabalhador, assim como eu e a maioria desse Brasil. Depois de mais uns dez minutos de espera, dois Ana Rosa verde ao mesmo tempo. O de trás era o nosso, mas a ansiedade já fazia muitos companheiros se dirigem ao primeiro. Alguém gritou: “É o detrás, Parmera!”

E lá subimos nós naquele coletivo que já estava forrado de camisas verdes. Celulares e toda sorte de utensílios individualizados, daqueles que te deixam afastado do que acontece ao redor, foram ao seu devido lugar: os bolsos. Todo mundo conversando, cantando, pensando no Valentim, no jogo, no ano que vem. De resenha sobre viagens de visitante, imbróglios dentro de torcida, tudo. Falava-se sobre tudo o que diz respeito ao Palmeiras e ao futebol como um todo. O rapaz comentou comigo:

  • Pô, você viu que hoje só venderam 15 mil ingressos?
  • Melhor assim, respondi, são os 15 mil que vão agitar até o final.

Eu já esperava uma resposta dentro do senso comum que permeia essa modernidade de plástico do futebol moderno. Mas o jovem trabalhador, uns dez anos mais novo que eu, senão mais, respondeu:

  • Cara, você tem razão. Ali no Gol Norte da Arena, onde normalmente eu vou, o pessoal agita mesmo, mas desde que a WTorre comprou um pedaço das cadeiras, tá muito difícil de ir lá. Daí uma vez acabei indo na Superior e no meio do jogo um monte de gente nem aí. Sentado, olhando celular, jogando cartola.

E até a Charles Miller fomos aprofundando esse assunto, até que cada um foi encontrar a sua turma e se despediu.

O jogo e o Estádio

O jogo, ou melhor, a catarse coletiva, foi reflexo do que é o Pacaembu para o Palmeiras desde a sua reconquista na vitória contra os rivais, em que em dois minutos, Prass pegou um pênalti e Dudu, com sua pequena estatura, marcou de cabeça. Desde este exorcismo com requintes de crueldade, e ainda que muitos palmeiristas se recusem a aceitar devido a alguns fracassos recentes como em 2010 e 2013, o Pacaembu agora é nosso! E ninguém tasca. Nem o prefeito.

O time reencontrou o bom futebol e, contagiado pela torcida, também a contagiou. O resultado em termos práticos despertou a esperança dos otimistas. “São 9 pontos em 9 jogos, eu sou palmeirense, tenho que acreditar”, afirmou Gabriel Santoro, uma figurinha carimbada e fenômeno no youtube por sua produção audiovisual e artística. Confesso que não sou tão otimista assim, mas reconheço uma pequena possibilidade.

E nesse clima, a nova música da Mancha pegou: https://www.facebook.com/fabioluis.paiva.9/videos/1618882118173041/

Voltando pra casa

 Por volta das 11 e meia da noite, um vizinho e companheiro de bancada chamou um Uber Pool, aquele mais barato que, no caminho, pode pegar outros passageiros. Me aprumei, saquei cinco mango do bolso, dei pra ele e falei, “vamos pro bairro senão complica”!

Entramos no carro e ele deu uma volta para pegar um passageiro em um barzinho ali próximo do Mackenzie. Entrou um jovem estudante, da mesma idade do rapaz que eu havia conversado na ida. Vestia calça jeans e camisa branca.

  • Nossa galera, top, eu também sou Palestra pra caralho! Mas hoje não deu pra ir ao jogo pois não posso mais faltar nessa aula e também porque tá cheio de buceta aqui no bar, relatou.
  • Ah, é, tem que estudar mesmo – respondi tentando dar aquele corte no assunto.
  • É, mas eu assisti aqui no “PremierPlayMobileSocialNetworkHandApp” (não entendi exatamente aonde ele assistiu, mas fica esse registro)
  • Na minha época tinha que ouvir no radinho mesmo numa situação dessa – respondeu o vizinho, ríspido, tentando cortar o papo.

O rapaz prosseguiu, mexendo no celular, sem nem entender o que acontecia, e não era por conta das cervejas que tinha tomado, mas porque esse consenso é tão martelado pela Globo que viver, naturalmente, de modo que foge disso, é impensável:

  • E aqui no Cartola, fiz mais de 30 pontos com o Diego e o Réver, tô em primeiro na liga!
  • Como assim?
  • Diego e Réver fizeram dois gols hoje e eu escalei ele.

Pedi que me explicasse como funcionava o tal “jogo interativo oficial do futebol brasileiro”. Ele explicou nas mais sinceras palavras um verdadeiro site de apostas maquiado de game interativo. Curioso, no mínimo. Mas o uber chegou ao nosso bairro, e nos despedimos do motorista e inconveniente companheiro.

  • Boa noite a todos
  • A gente se vê, estou sempre na Arena! – respondeu para se despedir.

Modernidade sem realidade

Fiquei encucado com isso. O universitário e o trabalhador, da mesma idade. Um trocou o Pacaembu pelo “bar cheio de buceta” mas sempre está na Arena. O outro deu um jeito de sair mais cedo do trabalho, mesmo em tempos de “não pense em crise, trabalhe” pra acompanhar o time aonde quer que fosse, que antes do prélio estava muito desacreditado no campeonato. O jovem trabalhador esteve presente nesse momento que, como dito, nos deu um fio de esperança em 2017.

O problema não é a Arena em si. O Estádio Palestra Itália, reformado, continua maravilhoso. Perdeu um pouco daquela coisa romântica, do céu aberto e o fosso. Mas é um baita de um estádio, não tem o que falar. O problema não são as coisas, mas os projetos e as maneiras como as coisas são feitas.

O Estádio do Palmeiras, da forma como está, poderia ser mais Estádio do que Arena. Poderia ter, pelo menos, chutando minimamente, metade da sua capacidade voltada aos setores mais populares. Mas não. É menos de 20% da capacidade: cerca de 8 mil dos 40 mil que podem entrar. Podia-se retirar as cadeiras desse setor popular, podia-se desligar as câmeras de vigilância extensiva que atuam como se uma horda bárbara vá pôr tudo abaixo na menor frustração. Um aparato que, não tendo o que fazer, se ocupa de perseguir um torcedor que acenda um sinalizador, faça algum protesto ou pasmem, que xingue ostensivamente um dirigente malquisto. Nem as organizadas escapam com cada vez mais punições que utilizam as “imagens de segurança” das arenas. Que de tão boas que são poderiam identificar indivíduos infratores, mas preferem criminalizar instituições inteiras a cada cuspe na hora errada.

Temos tudo na mão! O Palmeiras é uma escola de futebol, a eterna academia, mas não só. É uma escola de arquibancada e de paixão incondicional como o seu povão e organizadas têm provado. Precisamos é que o clube corresponda a isso, e valorize essa torcida que o fez ser o que é. Não aqueles que se sentam o jogo inteiro, de olho no cartola, torcendo por jogadores do Flamengo e locupletando-se de uma modernidade que torna o estádio um lugar seguro pra ele. Os velhos estádios são hostis a gente assim. Imagina só um IPhone 59 despencando, sem querer, arquibancada amarela abaixo. Antes tínhamos uma só torcida. Hoje temos duas. E o Palmeiras (e os outros grandes clubes não fogem disso) precisam decidir o que querem da vida.

A grande verdade é que após a tiagoleifertização do futebol, até o Chico Lang parece ser um cara legal. Talvez por isso a gente nunca mais o tenha xingado na saída dos jogos.

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*João Bruxo é uma entidade satânica que vive em São Paulo, é mais podre que a cidade em que vive, e encarna em alguns palmeirenses que nasceram com espírito rebelde. Este texto poderia ter sido escrito por muitas mãos, ou apenas uma: a mão imaginária de João Bruxo.

 

 

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Gabriel Uchida: “se você realmente ama futebol, você odiou a Copa do Mundo”

 

Nota da Destilaria: é sempre bom ouvir um profissional como Gabriel Uchida, com quem tive o prazer e a honra de fazer uma reportagem na Cracolândia em 2014. O cara é incansável: viaja o mundo, se mete nos grandes buracos suburbanos sem medo e convive próximo de pessoas que para o grande público são extremamente violentas e perigosas, mas que na realidade são apenas pessoas com seus defeitos e qualidades. Na entrevista abaixo, ele conversou com uma revista estrangeira sobre seu trabalho documentando o futebol e aproveitou para dar umas boas alfinetadas nas autoridades brasileiras. De um ponto de vista técnico, o nonsense venceu. Afinal, traduzir para o português uma entrevista feita em inglês com um cara que é brasileiro é, no mínimo, sem noção mesmo. Boa leitura!

 

Publicado em inglês em 27 de fevereiro de 2017 pela Pickles Magazine

Traduzido por Raphael Sanz para a Destilaria da Bola

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O fotógrafo paulista Gabriel Uchida viajou o mundo, de Cuba à Etiópia, documentando a cultura futeboleira e os torcedores que amam o esporte pelos lugares onde passou. Ele foi elegante e nos respondeu a algumas perguntas.

Pickles Magazine: No teu site, você se refere ao Hunter S. Thompson e seu estudo sobre os Hells Angels, mas você prefere torcidas de futebol. O que há nas torcidas organizadas que te fazem lembrar os Hells Angels? 

Gabriel Uchida: Hunter S. Thompson é um dos meus escritores favoritos e uma grande referência para mim. Acho que os Hells Angels, as Torcidas Organizadas do Brasil e as torcidas e hooligans ao redor do mundo ainda não foram muito bem compreendidos. Não sou o advogado deles, meu trabalho não é defendê-los, mas eu tento mostrar o que realmente acontece para além dos clichês e preconceitos. E honestamente, é um mundo muito interessante, eu posso dizer que aprendi muito com os torcedores organizados, hooligans e ultras.

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Pickles Magazine: Você viajou o mundo fotografando torcedores, pôde notar similaridades e diferenças na maneira que os torcedores apoiam seus times em diferentes países? 

Gabriel Uchida: Em uma maneira bem simples: torcedores Latino Americanos são bem caóticos, no Leste Europeu são tão organizados que parecem exércitos, na Europa Ocidental são bem criativos e na América do Norte ainda estão apenas começando a sua “soccer culture” então estão copiando coisas que gostam de outros países. Também fotografei torcedores na Etiópia e esses caras são extremamente felizes e amam cantar e dançar.

Pickles Magazine: Suas fotos são incrivelmente íntimas, você se coloca bem no meio da ação… já se deu mal em meio ao clima do jogo ou em comemorações?

Gabriel Uchida: Tenho feito isso faz sete anos então tenho muitas histórias muito loucas. Certa vez eu estava em Montevideo, no Uruguai, para a final da Copa Libertadores. Era o Peñarol contra o Santos e eu viajava com os torcedores brasileiros. No caminho para o estádio o motorista de táxi ficou puto porque meus amigos estavam gritando, cantando e jogando cerveja nos outros carros, então ele sacou o revólver e começou a nos ameaçar. Naquela noite fomos atacados por torcedores do Peñarol e eu fui atingido por uma garrafa de vidro na perna. Ironicamente este também foi um dos melhores dias da minha vida porque sou torcedor do Santos e terminamos vencendo aquela final de Copa. Quando você está numa multidão de torcedores, mas torce para um time diferente, isso pode ser perigoso. O Corinthians venceu um campeonato contra o Santos e muitos caras estavam me abraçando na comemoração. Felizmente eu estava muito focado em conseguir boas fotos. Há ainda uma outra história envolvendo meu clube: uma vez eu estava viajando com os torcedores do Palmeiras para um jogo de visitante contra o Santos e o nosso ônibus foi atacado na rua. No final da briga os palmeirenses estavam me zoando porque eu fui basicamente atacado pelos torcedores do meu próprio time.

Pickles Magazine: A Inglaterra viu um declínio no hooliganismo e na violência envolvida com o futebol nos últimos 20, 30 anos e hoje não é mais o mesmo problema que um dia foi… o que pode dizer da cultura hooligan que ainda aparece no Brasil?

Gabriel Uchida: Para entender o hooligan brasileiro é preciso primeiro lembrar que este é um país pobre e violento. De fato, eu diria que nós vivemos uma guerra não oficial porque há mortes e muitas outras coisas negativas acontecendo diariamente. Então é basicamente o mesmo no futebol. E há um outro ponto complicado em toda essa situação: a polícia brasileira. São muito agressivos e pouco organizados. Alguns resultados de um recente estudo feito em São Paulo: 60% da população não confia na polícia; a média diária de letalidade policial é de 1,7 pessoa por dia. Temos uma expressão que ilustra bem essa cena: um grande barril de pólvora sempre pronto e prestes a explodir.

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Pickles Magazine: Sua série de fotos enfocando os torcedores organizados é incrivelmente pessoal, como você conseguiu acesso para clicar imagens tão íntimas?

Gabriel Uchida: Tenho trabalhado com futebol há sete anos, então conheço um monte de gente, e eles respeitam meu trabalho porque entendem meu projeto. Existe confiança dos dois lados. Nunca estive lá para criar factoides sensacionalistas ou para dizer que todos eles são apenas criminosos. Sempre tento entender a cultura deles e é por isso que eles me respeitam. Além disso, eles têm sido vítimas de violência policial em muitas ocasiões e eu fui o único que mostrou a história como ela é, enquanto a mídia de massa estava dizendo que eles eram os caras maus e ponto final. Uma vez, um torcedor muito bêbado ficou puto comigo sem razão. Ele tentou me atacar e apenas alguns segundos depois havia muitos outros hooligans batendo nele. Eu não pedi por aquilo, eles simplesmente viram a situação e decidiram me ajudar porque sabiam qual era a do meu trabalho. No final das contas, eles até mesmo explicaram o meu projeto para o beberrão e ele passou o jogo inteiro me pedindo desculpas.

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Pickles Magazine: Pode falar sobre os impactos e legados da Copa do Mundo?

Gabriel Uchida: É fácil explicar o impacto da copa: se você realmente ama futebol, você odiou a Copa do Mundo. Ela mudou o nosso futebol de uma forma terrível, significa muito mais restrições para torcedores, ingressos mais caros e menos diversão. Imagina que temos um monte de comunidades pobres e essas comunidades não têm hospitais, escolas, nem qualquer infraestrutura básica. E ao invés de usar a grana para ajudar essas comunidades, usaram pra construir Arenas em lugares onde elas não eram necessárias – e muitas comunidades foram despejadas para a construção delas, deixando muitas pessoas sem ter para onde ir. A Arena Amazônia, por exemplo, foi construída em uma região longínqua onde o futebol é praticamente amador. É um lugar muito pobre que tinha em média 500 torcedores por jogo. Nada mudou exceto que agora eles têm uma arena pra 40 mil pessoas. E houve uma série de casos de corrupção envolvendo a Copa do Mundo e suas obras. Foi definitivamente algo horrível para o nosso povo como um todo, não apenas para torcedores de futebol.

Pickles Magazine: As fotografias da sua aventura cubana são incríveis… você foi pra lá a procura de futebol, achou o que esperava?

Gabriel Uchida: Já fui duas vezes para Cuba e eu realmente amei este país. A situação do futebol por lá é um pouco curiosa porque o povo ama o esporte mas as médias de público nos estádios são muito baixas. Há imagens de Messi, Neymar e Cristiano Ronaldo em toda parte, além de jovens e crianças jogando bola em toda esquina. Eu estava lá quando o Barcelona jogou contra o Real Madrid e toda Havana estava louca pela partida. Todos os bares e hotéis estavam lotados com gente assistindo ao jogo. Uma pesquisa sobre a ilha mostrou que 89,1% das pessoas com até 25 anos preferem futebol em relação ao baseball – que é considerado o esporte mais popular por lá. Mas o ponto nisso tudo é que a mídia de lá está exaustivamente mostrando a Champions League enquanto raramente dá atenção às competições locais. Os ingressos para os jogos são bem baratos mas isso não é suficiente. De toda forma, foi uma grande surpresa para mim conhecer a maneira como eles amam o futebol. Eu ainda conheci o técnico do La Habana FC e o filho dele se chama Romário por conta do ex jogador brasileiro.

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Visite a página do Gabriel Uchida e conheça melhor o seu trabalho.

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Atletiba: um perfeito domingo de futebol brasileiro

Escrito por Gabriel Brito, do Correio da Cidadania, em 20 de fevereiro de 2017

O futebol brasileiro pós-Ricardo Teixeira continua revisitando velhos papelões: virada de mesa e o eterno fantasma do tapetão; brigas de torcida altamente previsíveis e negligenciadas, quando não potencializadas, pelos órgãos e autoridades competentes; um calendário que volta a obrigar alguns clubes a jogar três vezes na semana, até em dias consecutivos; e, agora, um jogo adiado com casa cheia sob bizarras alegações.

O que aconteceu neste domingo em Curitiba, quando Atlético x Coritiba pretendiam transmitir o clássico entre si por meio da internet, de forma autônoma, na verdade é uma espécie de ilustração definitiva daquilo que muitos de nós falamos há anos: muito antes do torcedor, o interesse de uma empresa monopólica é o que move o ânimo daqueles que “cuidam” do nosso futebol.

Não precisamos perder tempo nessas linhas rememorando toda a construção do império global sobre o futebol brasileiro, em todas as instâncias, em especial agora, após a saída de cena da Rede Bandeirantes.

Vale discutir que, mesmo timidamente, vemos alguns espasmos de combate ao mandonismo de federações/CBF/Globo. Além de algumas negociações com o emergente Esporte Interativo por parte daqueles que se sentem menos prestigiados pela emissora carioca, observamos que há algumas tentativas de autonomizar os clubes, que afinal são os únicos elos indispensáveis para os jogos, na defesa de seus interesses econômicos.

Se uma grande liga de clubes ainda não saiu do papel, dada a dificuldade de unificar uma linha de pensamento e deixar de lado a luta por privilégios exclusivos, iniciativas como Nordestão, Primeira Liga e esta da dupla paranaense indicam que algo pode mudar em breve.

Ainda falta muito, pois como disse o ex-craque Alex, ao mesmo tempo em que tentam reverter um desequilíbrio econômico frente aos clubes de elite do país, alguns desfrutam do mesmo tipo de disparidade em nível estadual.

Uma coletividade de clubes que permite a permanência da parasitagem de Marco Polo del Nero à frente da CBF (figura impossibilitada de sair do país desde que o escândalo de propinas derrubou a cúpula da FIFA) ainda está no patamar da indigência política, moral e, muito provavelmente, intelectual.

De toda forma, é preciso aplaudir a iniciativa dos clubes em transmitir o jogo por conta própria. Tal como foram o rádio e a própria TV um dia, a internet também viverá seu boom de popularidade e colherá os frutos econômicos de forma proporcional. Se ainda engatinha uma transmissão online, em breve certamente fará parte de nossa rotina.

Portanto, é evidente que um novo nicho de mercado se abre. E com uma preciosa diferença: ao contrário da TV, a transmissão online não demandará o mesmo nível de aparelhagem técnica e física para levar as imagens ao telespectador. Na outra ponta, pode perfeitamente angariar patrocinadores que paguem bem para aparecer na telinha de seu computador, tal como o fazem para aparecer na tela da não assumida “TV Brasil”.

Ainda nesse sentido de autonomização dos clubes, é necessário registrar o papel de capanga da Rede Globo por parte da Federação Paranaense, cujo perfil político é historicamente da pior espécie.

O cancelamento da partida, em cima da hora, é fato gravíssimo, verdadeiro atentado ao futebol e ao torcedor. As alegações de falta de credenciamento não merecem a menor consideração. Primeiro porque ofendem demais nossa inteligência, segundo porque não é problema em ocasiões menos interessantes, como já mostrou essa matéria da ESPN. Por fim, o próprio quarto árbitro da partida deixara escapar o motivo ainda no gramado.

Estamos diante de um tempo em que as autoridades desse país, e o futebol é apenas reflexo menor, estão deliberadamente tentando tapear o cidadão. A maneira como tratam debates estruturais têm beirado a molecagem. Do mesmo modo que um governo tenta fazer o trabalhador crer que abrir mão do seu próprio FGTS ou de uma aposentadoria digna é saudável para a economia do país, a cartolagem que já assinou inúmeros contratos com a Globo acha mesmo que pode nos empulhar com um papo de “credenciamento” para cancelar uma partida entre dois times grandes.

É deveras grotesco. Não bastasse o campeonato cancelar um dos raros jogos que atraem uma boa presença da torcida, alega-se uma burocracia para barrar exatamente aqueles que fariam a transmissão autônoma, que de fato nunca devem ter se credenciado na federação. Mas e daí, se estão autorizados pelos próprios donos do espetáculo? Alguém acredita em todo esse rigor regimental das federações de futebol no Brasil?

De fato, duvido que algum capa preta da emissora tenha se dado o trabalho de pegar o telefone e passar a cruel ordem de não deixar a bola rolar, com todo o ônus subsequente em sua imagem pública.

Em relações de submissão hierárquica, econômica, social, é mais que comum o subordinado ser mais realista que o rei. A vontade de agradar é tão grande que não raro se toma uma atitude cujo rigor dificilmente seria imitado pelo próprio detentor do poder. Este sabe que oferecer uma sensação razoável de liberdade e oposição política é útil à manutenção das peças no exato lugar onde já estão. E não é uma partida de estadual transmitida pelo youtube que mudará tão cedo o status quo.

A Globo sabe que fez uma proposta baixa aos dois maiores de Curitiba e entende como parte do jogo a resposta que se engendrou para o frustrado clássico. Já o capanga, “bate primeiro, pergunta depois”, como bem sabe a inteligência coletiva.

Que fique a lição: os clubes brasileiros, de todos os níveis e divisões, precisam se livrar de uma vez por todas do poder cartorial de suas federações, que agem muito mais como empresas de interesse privado do que como protetoras de seus filiados e fomentadoras do futebol local. O que aconteceu neste domingo foi simbólico dos 30 anos de submissão do futebol nacional a uma emissora que já ganhou rios de dinheiro com nossa paixão, sempre sob a supervisão de uma cartolagem cujos conceitos e concepções são muito mais afeitos a uma ditadura do que a uma democracia.

Morte de torcedor adolescente e a narrativa que não fecha

Apesar de tudo o que foi dito acima, o jogo de fato não deveria ocorrer. Mais cedo, tivemos o lamentável episódio da morte de um torcedor de 15 anos do Coxa Branca, após levar um tiro de um sargento que participava da escolta da torcida.

Uma tragédia que não cabe na narrativa cada vez mais repisada pela mídia, isto é, aquela que atribui todos os males da violência às torcidas organizadas. Após a “arenização” do futebol brasileiro e o triunfo da cultura da segregação nos estádios, subdividindo as próprias torcidas, parece que há uma cruzada final pela “limpeza” desse verdadeiro espantalho dos estádios, em prol, é claro, do cidadão de bem – leia-se aquele que pode pagar mais, alvo preferencial dos clubes e suas “novas e modernas técnicas de gestão”.

Toda semana, procura-se destacar um fato violento nos estádios que possa ser imputado às torcidas, aos “bandidos”. Esquece-se o contexto de violência endêmica do país, o que serviria para demonstrar que os descalabros em estádios e entorno de jogos são fração mínima deste mal, e repetem-se as discussões de bons contra maus, a exemplo dos mais sensacionalistas programas policialescos da TV brasileira – com toda a carga de ignorância conjuntural agregada.

Se falta unidade dos clubes para defender seus interesses, o mesmo vale para as torcidas. Tal como já visto em outros lugares do mundo, o episódio deveria ensejar o pedido popular de adiamento do jogo. Não pelo interesse comercial, e sim por respeito à vida, algo longe de fazer parte da realidade brasileira.

Resta saber qual será a abordagem da mídia que adora criminalizar o torcedor organizado, sem disfarçar toda sua incapacidade de estabelecer um debate maduro sobre segurança pública. Essa morte, assim como a do cruzeirense que perdeu a vida após mal esclarecida confusão com a segurança do privatizado Mineirão ou a chacina da Pavilhão 9, não se encaixa na narrativa predeterminada de torcedores maus que aterrorizam o “torcedor de bem”, “afastam a família”.

Vamos ver se tentarão amaciar o episódio e promover alguma insinuação negativa a respeito da conduta do garoto ou se mais esse crime do Estado brasileiro provocará uma reflexão um pouco mais ampla de nossa violência cotidiana e estrutural.

Como se vê, toda a nossa desgraça coube numa única tarde de domingo.

Leia também:

Futebol estatizado? – a histórica querela entre o governo Kirchner e o monopólio local sobre o futebol

Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.   

 

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A história do mais importante jogo que não houve

Texto de Marcelo Mendez publicado no jornal ABCD Maior

Transmissão do futebol pela TV explica o que houve no Paraná durante o Atletiba que não houve. Voltemos no tempo para entender…

 

O ano era 1986. O futebol Brasileiro, recém eliminado na Copa do Mundo realizada no México, chegava ao fundo do poço. O Campeonato Nacional chegava ao numero de 80 participantes, as séries não eram organizadas, a bagunça era generalizada, os jogos corriam a esmo sem maiores informações e após dezenas de séries e eliminatórias, o torneio chegou a sua fase decisiva e a final. Disputada em 25 de Fevereiro de 1987!

Era mais do que óbvio que algo precisava ser feito e para o ano de 1987 os clubes se juntaram, e saíram com uma nova entidade de nome “Clube dos 13” com as 13 agremiações principais do futebol nosso. O grupo surgiu então com uma proposta de tentar organizar o Campeonato e criaram a Copa União, que em seu módulo principal, seria disputada por incríveis 16 clubes.

Mas para dar certo era necessário alguém para pagar conta, chegou primeiro a Coca Cola que bancaria as camisas dos clubes e ainda faltava alguém para divulgar a coisa. E então, como diria os Racionais, “era a brecha que o sistema queria…” – A Rede Globo de Televisão é chamada para tal…

Com suas várias câmeras, gruas, replays e afins, a emissora passa a deter e determinar o que a gente podia e o que não podíamos ver em se tratando de jogos. Aos domingos, quatro jogos eram selecionados para que nós, a plebe, ligassemos la para uns telefones e escolhesse um deles para assistir.

Lógico que não eram os jogos principais. A globo fazia o que queria, os clubes eram omissos, precisavam da grana da TV e a nós, bom, “Assiste aí e não reclama”. Era então o começo do que pioraria bem mais com o tempo…

A Consolidação do Monopólio

Com as crises dos anos 90, com as péssimas gestões dos clubes, quase sempre endividados, pessimamente geridos, toscamente administrados, os tais clubes viram-se reféns de cotas de televisão, passando a ser esse, um dinheiro quase que fundamental para as contas principais. Verbas anos antecipadas, grana financiada, alma vendida, tal e qual num blues; Os clubes passaram a comer nas mãos da Rede Globo, que se consolidou graças as omissões dos “parceiros” endividados, do resto da imprensa que pouco fala sobre o assunto e do poder público que faz vistas grossas para essas relações além é claro, de um processo nefasto de elitização nos estádios que cada vez mais afasta o torcedor comum dando a ele como “opção” sentar em frente a televisão e ver a Globo.

O Levante

O que aconteceu no Paraná é uma prova cabal de que monopólios fazem o que querem e dane-se todo o resto. A coisa começou porque a Globo, dona dos direitos de tudo em se tratando de futebol, sem maiores explicações, ofereceu em 2017 pela transmissão dos jogos dos clubes em questão, a quantia de 1 milhão de reais, em detrimento dos 2,2 milhões pagos em 2016.

Uma quantia irrisória se pensarmos no quanto que a empresa fatura apenas em propaganda dos mesmos jogos. A federação Paranaense, arregada com o monopólio, usou de um recurso estapafúrdio de “credenciamentos” para proibir a transmissão via internet que os clubes fariam e estes, se recusaram a jogar em um ato inédito nesses anos todos de império. Oras meus caros…

O mundo real e o mundo segundo os monopólios

Transmissões de futebol por internet pelo mundo, não são novidades. Na Espanha, por exemplo, sem brigas entre federações e clubes, os jogos da Copa do Rei podem ser acompanhados de graça via facebook. A mesma plataforma transmite ao vivo em São Paulo, os jogos do Campeonato Paulista Feminino de futebol. Na Inglaterra, a BT Sports transmitiu em seu canal do youtube as finais da Liga Europa e da Liga dos Campeões em 2016. E porque a estranheza por aqui? Simples…

Não me causa espanto ver que em um Brasil doente, truculento, raivoso, não seja possível se entender que a internet é (ou deveria ser) um importante fator para democratização de conhecimentos e informações. Não da mais para impor tudo e mais hora, menos hora, as coisas vão mudar. O Paraná mostrou ontem um bom caminho para tal…

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Pebolim foi inventado por poeta anarquista para crianças refugiadas da Guerra Civil Espanhola

Texto de Fabián Mauri, para a Revista Un Caño

Traduzido e adaptado por Raphael Sanz, para a Destilaria da Bola

Créditos: Revista Un Caño

Créditos: Revista Un Caño

 

Madrid, 1936.

Alejandro Campos Ramirez (1919-2007), um jovem galego oriundo de um vilarejo chamado Finisterre – do latin, “o fim da terra” – deambula pelas ruas da cidade e pressente que seus desejos talvez estejam a ponto de serem cumpridos. Alguma vez sonhou em ser um grande arquiteto, mas apenas trabalhou de pedreiro. E acontece que sua verdadeira vocação foi a poesia. Conseguiu um emprego que o fazia feliz e de alguma maneira o aproximava desse universo boêmio dos artistas que admirava: aprendiz na imprensa. Se considerava um idealista prático, um anarquista pacífico que aspira viver, algum dia, em um mundo em que os homens não precisem mais serem governados por nenhuma autoridade. Nesse cobertor  de sonhos aquecia-se às vésperas do estalar da Guerra Civil Espanhola.

Uma bomba caiu sobre a casa em que vivia e ficou preso debaixo dos escombros. Gravemente ferido, foi levado a um hospital, de onde saiu coxo e com problemas respiratórios, durante um longo tempo. Ali foram chegando refugiados de guerra, mulheres e muitas crianças mutiladas – que fizeram elevar sua sensibilidade de poeta. Anos mais tarde, em 2004, contou a um jornalista do diário La Vanguardia de Barcelona o episódio de sua vida pelo qual hoje é recordado.

“Era o ano de 1937. Eu gostava de futebol, mas já estava coxo e não podia jogar. E sobretudo me doía ver aqueles meninos também coxos, tão tristes porque não podiam jogar bola com os outros. E pensei: se existe tênis de mesa, também pode haver futebol de mesa! Consegui umas barras de aço e um carpinteiro basco, refugiado ali, Javier Altuna, me construiu bonecos de madeira. A caixa da mesa foi feita com madeira de pinheiro, creio, e a bola com cortiça aglomerada de boa qualidade. Isso permitia o controle da bola, dominá-la, passar com efeitos, e assim por diante”.

Com todo acerto, o jornalista catalão Victor Amela observou que “inventar um jogo que consiga neutralizar por um momento a ignomínia da guerra é como compor um poema com espaço e tempo”.

Não foi o futbolín – assim se chama o pebolim na Espanha – a única invenção sensível do poeta: em uma ocasião, apaixonado por uma pianista, inventou pra ela um artefato que permitia passar as pentagramas das partituras pressionando um pedal.

Quando acabou a guerra, fugindo do Franquismo Alejandro acaba exilado na França. Mais tarde sofreu quatro anos de cativeiro no Marrocos e uma vez liberado empreendeu sua aventura americana, cruzando o Atlântico. No Equador fundou a revista de Poesia Universal. Viveu um tempo na Guatemala, onde aperfeiçoou seu pebolim e trucou a rodada com um basquete de mesa – esse último sem grande sucesso. No México participou da intensa atividade intelectual da capital federal daquele país, e se encontrou com seu referente, o poeta espanhol León Felipe. Voltou para a Espanha nos anos 80 já como um consagrado editor e passou a chamar-se Alejandro Finisterre, fim da terra, princípio de sua vida.

Sempre foi reconhecido com a importância de ter inventado o mundialmente difundido jogo de pebolim: com tantos nomes ao redor do mundo. Metegol na Argentina, Futbolín na Espanha, Pebolim em São Paulo, Totó no Rio de Janeiro, e por aí vai… “Se eu não tivesse inventado, outra pessoa teria”, comentou Finisterre. Considerava – como Jean Cocteau – que “a poesia sempre é necessária, não sei para quê, mas é necessária”.

Morreu em 2007, quando as crianças do mundo já haviam substituído seu invento pelos vídeo games. E o poeta celebrou isto: “eu acredito no progresso, existe um impulso humano no caminho da felicidade, da paz, da justiça e do amor. Esse mundo um dia chegará”.

A nós, que juntos a tantas outras gerações fomos beneficiários diretos desse esplêndido invento, fruto da imaginação e da sensibilidade daquele poeta, deveríamos prometer em sua homenagem cada vez que joguemos, respeitar e fazer respeitar para sempre aquela regra – que é uma regra mundial de obrigação moral de todo e qualquer jogador – de que não vale ficar girando – apelando – a linha de jogadores.

 

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Madrid: Rayo Vallecano x Atlético de Madrid. Créditos: Raphael Sanz

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Santa Cruz de la Sierra (Bolívia): Oriente Petrolero x Blooming. Créditos: Raphael Sanz

 

 

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Corintianos no Maracanã: “Ninguém pode ser preso como bode expiatório, com a finalidade de dar exemplo a outras pessoas”

Por Luiz Guilherme Ferreira e Raphael Sanz

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No dia 23 de outubro houve uma briga entre torcedores do Corinthians e PMs do Rio de Janeiro dentro do Maracanã. No fim do jogo, todos os homens foram obrigados a permanecer sentados na arquibancada e sem camisa para que houvesse o reconhecimento dos envolvidos na briga. A imagem, transmitida ao vivo pela televisão aberta em São Paulo, chocou muita gente e remeteu à cenas pesadas de episódios como o Massacre do Carandiru, entre outros. Para discutir o evento e fazer uma análise jurídica do ocorrido, a Destilaria da Bola conversou com o advogado Fernando Hideo, professor de Direito Processual Penal da Escola Paulista de Direito na graduação e professor convidado no curso de pós-graduação da PUC/SP*.

“Dos milhares de torcedores humilhados e coagidos no estádio, apenas algumas dezenas foram identificados como agressores em um primeiro momento. Posteriormente, as imagens demonstraram que apenas quatro estavam realmente envolvidos. Isso é vergonhoso e demonstra que o direito penal é apenas um instrumento de dominação e controle social, destinado a punir alvos específicos e preservar interesses dominantes”, declarou Hideo.

Ao longo da conversa, Hideo explicou uma série de termos e nuances jurídicas utilizadas para criminalizar os torcedores corintianos e para justificar a prisão preventiva, mas que em sua opinião foram postas de forma enviesada e fora de contexto. Tudo de acordo com a conveniência do judiciário a partir da cobertura midiática do caso. Ainda, traçou duras críticas ao sistema judiciário brasileiro, desde sua gênese, até as formas de controle social que exerce nos dias de hoje.

“A casa grande deu origem à forma jurídica de um Estado pretensamente democrático de direito destinado à população incluída, onde direitos e garantias fundamentais são assegurados de acordo com a conveniência de um pensamento dominado pela elite econômica. Do outro lado, a senzala evoluiu para um Estado de Exceção permanente destinado aos excluídos, onde vige a lógica do combate seletivo à população pobre e marginalizada por meio da imposição do medo e do terror a partir da aplicação severa das normas incriminadoras e negação ao direito de defesa”, criticou.

Leia abaixo a entrevista na íntegra.

 Destilaria da Bola: Esta atitude da PM carioca, de deixar centenas de torcedores imóveis dentro do estádio e expostos daquela forma, tem respaldo na lei?

Fernando Hideo: A conduta dos policiais militares cariocas foi arbitrária e ilegal. As imagens dos torcedores coagidos a permanecer sentados na arquibancada e sem camisa, durante horas, são vergonhosas e merecem total repúdio.

Destilaria da Bola: O que é individualização da conduta e para que serve, usando este caso como exemplo?

Fernando Hideo: Nosso sistema de justiça criminal adota o “direito penal do fato”, isso significa que as pessoas só podem ser responsabilizadas por aquilo (e na exata medida daquilo) que fizeram. Punem-se condutas.

Ninguém pode ser punido pelo que é. Por isso é tão importante a individualização da conduta como pressuposto para se responsabilizar alguém na esfera criminal.

Em outras palavras, é preciso apontar exatamente quem praticou o quê para haver qualquer sanção criminal.

Segundo relatado pela imprensa, 3 mil corintianos tiveram sua liberdade restringida durante horas para que, ao final, se identificassem (sabe-se lá como) 40 torcedores que teriam se envolvido em confronto com a PM. Como justificar a humilhação infligida a todos os outros milhares de torcedores coagidos? É nitidamente uma medida desproporcional, arbitrária e ilegal.

Destilaria da Bola: Foram levadas 64 pessoas à delegacia supostamente identificadas, sendo que 31 permaneceram presas sob as acusações de lesão corporal, resistência qualificada, associação criminosa e por promover tumulto em eventos esportivos. Na sua visão são cabíveis tais acusações?

 Fernando Hideo: Não conheço as particularidades do caso, mas pelas informações e imagens publicadas parece ter havido confronto entre torcedores e policiais militares. Do lado dos torcedores, deve-se apurar eventuais crimes de lesão corporal e resistência (crimes de menor potencial ofensivo), que obrigatoriamente devem ser individualizados em relação à conduta de cada um.

Por outro lado, é imprescindível que se apure também eventuais crimes de abuso de autoridade e lesões corporais praticados pelos policiais militares. A acusação por associação criminosa carece de qualquer fundamento, violando até mesmo o direito fundamental à liberdade de associação.

Destilaria da Bola: Houve audiência de custódia no dia 25/10 em que se converteu a prisão em preventiva. Novamente utilizando este caso como exemplo, como explicamos ao leitor leigo o que é e para que serve uma audiência de custódia?

 Fernando Hideo: Todo aquele que é preso em flagrante tem direito de ser apresentado a um juiz em até 24 horas. Nessa chamada audiência de custódia, o juiz decidirá apenas se o suposto autor dos fatos responderá ao processo preso ou solto. Não serão discutidos os fatos em apuração, mas apenas a legalidade da prisão. As possíveis decisões são (i) relaxamento do flagrante ilegal; (ii) concessão de liberdade provisória, acompanhada ou não de medidas cautelares (fiança ou monitoramento eletrônico, por exemplo) e (iii) conversão do flagrante em prisão preventiva, como neste caso dos torcedores corintianos que discutimos.

Destilaria da Bola: Na fundamentação da prisão preventiva, a magistrada destacou que esta medida se revelou “imperiosa e necessária”, já que os presos são de outro estado, “o que poderia colocar em risco a instrução criminal”, além de que “se não unidos previamente com o intuito de cometimento de crimes nas dependências do estádio Mário Filho, os custodiados, no momento exato das agressões, uniram-se covardemente contra os agentes da Lei e da ordem. Impossível o Estado chancelar a violência que vem imperando nos ambientes esportivos e afastando a torcida familiar dos estádios”. Estes pontos tidos como fundamentais encontram respaldo técnico no direito penal? Quais?

 Fernando Hideo: A prisão preventiva só pode ser decretada, em breve síntese, nos casos de comprometimento da ordem pública, da ordem econômica, da instrução criminal ou risco à aplicação da lei penal.

Obviamente, o fato dos presos serem de outro estado não deve ser levado em consideração. Muito menos a “violência que vem imperando nos ambientes esportivos”.

Ninguém pode ser preso como bode expiatório, com a finalidade de dar exemplo a outras pessoas. Antes, deve haver prova do cometimento de crime grave e indícios de autoria, bem como provas concretas de que os envolvidos sejam ameaça à ordem pública, à ordem econômica, à instrução criminal ou risco à aplicação da lei penal. Além disso, a prisão preventiva só pode ser decretada se as medidas cautelares diversas da prisão se revelarem inadequadas ou insuficientes.

Destilaria da Bola: Posteriormente, em 08/11, dez pessoas foram presas em São Paulo acusadas de ameaçar pelas redes sociais a juíza do caso. Qual sua opinião sobre este fato?

 Fernando Hideo: Embora eu não tenha conhecimento do teor de tais ameaças, é temerário que prisões sejam decretadas nessas circunstâncias, podendo soar como vingança do Poder Judiciário, já que diariamente há milhares de ameaças nas redes sociais que não recebem nenhuma atenção das autoridades.

Destilaria da Bola: Na decisão em que recebe a denúncia do Ministério Público e mantém a prisão preventiva dos acusados, a juíza Marcela Caram diz que uma testemunha, o policial Ederson da Silva Maia, “teria narrado com precisão os fatos, apontando de forma incontroversa para cada um dos acusados, atribuindo-lhes condutas graves”. Em 23/11, foi noticiado que dos 30 presos apenas 4 foram identificados como envolvidos na briga. O que isso demonstra?

Fernando Hideo: Os fatos demonstram o despreparo e o autoritarismo arraigado em nosso sistema de justiça criminal. Dos milhares de torcedores humilhados e coagidos no estádio, apenas algumas dezenas foram identificados como agressores em um primeiro momento. Posteriormente, as imagens demonstraram que apenas quatro estavam realmente envolvidos. Isso é vergonhoso e demonstra que o direito penal é apenas um instrumento de dominação e controle social, destinado a punir alvos específicos e preservar interesses dominantes.

Destilaria da Bola: Ainda em novembro, a mesma juíza do caso dos corintianos relaxou o flagrante de dois homens presos com 4 quilos de maconha, um fuzil e uma pistola porque “Compulsando atentamente o procedimento, (…) verifico frágil a regularidade do flagrante, tento em vista que as circunstâncias da prisão não se encontram claras, tampouco a individualização das condutas dos flagranteados, assistindo razão à defesa, induzindo esta magistrada a concluir pela irregularidade formal do APF”. A juíza agiu certo neste caso? Se sim, por que não foi aplicada a mesma lógica aos corintianos?

 Fernando Hideo: Mesmo sem ter detalhes de ambos os casos, podemos perceber a incongruência entre as decisões. E não apenas nestes dois casos.

Nós nunca superamos a cultura da escravidão. Se antes identificávamos casa grande, senzala e capitães do mato como elementos sociais bem delineados, hoje devemos compreender a estrutura camuflada na qual convivem veladamente Estado de Direito, Estado de Exceção e Polícia Militar.

A casa grande deu origem à forma jurídica de um Estado pretensamente democrático de direito destinado à população incluída, onde direitos e garantias fundamentais são assegurados de acordo com a conveniência de um pensamento dominado pela elite econômica. Do outro lado, a senzala evoluiu para um Estado de Exceção permanente destinado aos excluídos, onde vige a lógica do combate seletivo à população pobre e marginalizada por meio da imposição do medo e do terror a partir da aplicação severa das normas incriminadoras e negação ao direito de defesa.

A tarefa que era atribuída aos capitães do mato, agentes da repressão e castigo aos escravos, foi confiada à Polícia Militar ― instituição incompatível com um regime democrático ― que atua, por um lado, como força de proteção dos interesses da classe dominante e, de outra parte, como força de ocupação territorial e repressão à população pobre.

Nos últimos anos (Mensalão e Lava Jato, especialmente), tivemos o acréscimo do elemento político partidário na seletividade do direito penal. Ao invés de se estender os direitos fundamentais aos excluídos (pobres e marginalizados), pretende-se universalizar o arbitrário aos incluídos (ricos e poderosos). Ocorre que as medidas criminais nunca são tomadas com isenção e imparcialidade. Está óbvio o partidarismo e a seletividade que regem as grandes investigações e processos penais midiáticos. Por tudo isso, o direito penal está cada vez mais autoritário em nosso país, manipulado pelos interesses econômicos e políticos.

Destilaria da Bola: Você acredita que os juízes tendem a ser mais duros quando o assunto é torcida de futebol? Qual seria o procedimento correto neste caso específico?

Fernando Hideo: Acredito que os juízes tendem a ser mais duros de acordo com a conveniência. A mídia, o sistema econômico e as questões políticas exercem grande influência na postura dos magistrados. Vide o caso do Carandiru e tantos outros: tantas mudanças de entendimento em casos idênticos, tantos pedidos de vista eternos, tantas perseguições a juízes garantistas que simplesmente cumprem a Constituição Federal.

Destilaria da Bola: Qual sua opinião pessoal sobre este caso como um todo?

 Fernando Hideo: A sociedade precisa compreender o verdadeiro papel do direito penal. É preciso acabar com essa mistificação do aumento de penas e diminuição do direito de defesa para reduzir a criminalidade.

Basta olhar no retrovisor para perceber que a atribuição da condição de ser humano aos escravos ocorreu para que lhes pudesse ser imputada a prática de crimes. “Coisas” não cometem crimes, logo é preciso transcender a condição de “coisa possuída por um senhor” para possibilitar a aplicação de sanções criminais. Assim é que o primeiro ato humano do escravo é o crime. Pura e simples dominação.

Basta, também, perceber que ainda hoje existem muito mais países que criminalizam a homossexualidade do que nações onde a união homoafetiva é regulamentada. Puro e simples controle moral.

Basta, ainda, notar que não há como escapar das sanções criminais referentes ao furto de uma simples bicicleta, mas para passar uma borracha em todas as consequências penais da sonegação de milhões de reais em tributos, é só fazer um acordo administrativo e quitar os débitos anos depois. Pura e simples conveniência econômica.

Basta, por fim, perceber o uso despudorado que tem se feito das estruturas do processo penal para viabilizar um golpe parlamentar, financeiro, jurídico e midiático em nosso país. Pura e simples seletividade manipulada pelas estruturas de poder. Vivemos em constante evolução e o direito penal é um freio de dominação e controle. Libertemo-nos!

 

*Fernando Hideo é advogado criminal e Professor de Direito Penal e Processual Penal em curso de graduação e pós-graduação. Doutorando em Direito Processual Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2016) e Mestre em Direito Processual Penal pela mesma instituição (2013). Professor convidado no curso de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Escola Paulista de Direito e outros. Professor da cadeira de Direito Processual Penal da Escola Paulista de Direito no curso de graduação em Direito. É membro do Conselho Editorial do IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e associado ao Instituto de Defesa do Direito de Defesa – IDDD. Contato: fhilacerda@gmail.com

 

Leia também:

Palmeiras, Caco Barcellos e Rede Globo

 

 

Fontes:

http://globoesporte.globo.com/futebol/times/corinthians/noticia/2016/11/inquerito-identifica-por-imagens-so-4-de-30-corintianos-presos-no-maracana.html

http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/10/justica-converte-em-preventiva-prisao-de-corintianos-detidos-no-maracana.html

http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/10/juiza-que-decretou-prisao-de-corintianos-e-ameacada-diz-amaerj.html

https://noticias.terra.com.br/brasil/policia/policia-prende-suspeitos-de-ameacar-juiza-apos-de-prisao-de-corintianos,a5c72e300e1f104381789499c7f77aa9i9tcehx3.html

http://extra.globo.com/casos-de-policia/suspeitos-detidos-com-fuzil-pistola-maconha-no-morro-da-coroa-sao-soltos-em-audiencia-de-custodia-20471006.html

 

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[Espanha] CE Júpiter, o time anarquista que escondia armas nas bolas de futebol

Retirado da Agência de Notícias Anarquistas

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Todas as boas histórias começam em um bar, e a do Clube Esportivo Júpiter cumpre o regramento. Em 1909, na antiga cervejaria Cebrían de Barcelona, onde agora está localizado o estabelecimento El Tio Che, os irmãos Mauchan fundaram um clube que desempenharia um papel importante durante a ditadura de Primo de Rivera, na Segunda República, na Guerra Civil e no franquismo.

Esses irmãos britânicos, trabalhadores fabris no bairro de Poblenou, batizaram o time com esse nome planetário e místico, inspirados pelo ganhador de uma competição de globos aeroestáticos celebrada na praia de Mar Bella. Já num primeiro momento, o clube refletiu o espírito obreiro do bairro, o maior expoente da Revolução Industrial na Catalunha e, por consequência, em toda Espanha.

“O Júpiter era o time de Poblenou, o pulmão industrial da Catalunha, e também era chamado do Manchester catalão. O bairro era, ademais, o quartel general dos anarquistas”, explica a Vice Sports Andreu Mitjans, que documentou a história do clube no Arquivo Histórico de Poblenou. Ali se estabeleceram figuras do anarquismo e do sindicalismo espanhol, como Buenaventura Durruti, e o bairro se converteu no centro nevrálgico da Confederação Nacional do Trabalho (CNT).

O escudo do clube já era uma declaração de intenções: reluzia sem funis a bandeira catalã escorada por uma estrela de cinco pontas azul. Essa proximidade aos catalães e a República alimentaria sua apaixonante e complicada história, que mistura futebol, fábricas, apitos monumentais e grande dose de censura, mas que também esconde armas e uma resistência férrea ao golpe de Estado de 1936.

Depois de alguns anos jogando modestamente no “Campo de La Bota”, que na realidade não era nada mais do que um descampado, a equipe se federou e começou a alcançar bons resultados nos anos vinte. Desafortunadamente, seus anos de esplendor coincidiram com os de ditadura, instabilidade e repressão em nosso país.

Em 1923, o general Primo de Rivera intentou um golpe de estado e a balança não se inclinou precisamente em favor dos interesses de um clube abertamente operário e anarquista. Nessa época, a equipe mudou pela primeira vez o escudo, devido ao fato do regime acreditar que a estrela e a “señera” [nome da antiga bandeira pertencente ao reino de Aragón] eram ofensivas. Não seria a última vez, e até Franco ordenou que trocassem o nome, mas isso foi mais adiante. Melhor irmos por ordem.

O clube mudou de aparência, mas a sua base social – que então girava em torno de 2000 sócios, que não é pouco para a época – era a mesma durante o período, e seus torcedores usavam as bolas para transportar pistolas com a escusa dos deslocamentos da equipe para outros campos da Espanha.

“As bolas antigas não estavam seladas hermeticamente como as de hoje, mas possuíam cadarços como de um tênis. Os anarquistas os desatavam, retiravam a câmara de ar e colocavam dentro a pistola desmontada”, confirma a Vice Agustí Guillamón, historiador barcelonês especialista em movimento obreiro e revolucionário da época.

Em 1925, apesar da repressão, do “jogo de pistolas” e da pouca simpatia que causavam entre os estamentos militares, o Júpiter ganhou o título de campeão da Espanha pelo grupo B, o que hoje corresponde a segunda divisão. A conquista do título coincidiu com outro êxito barcelonês, o do Barcelona FC na Copa da Espanha.

“Era uma equipe pioneira na Catalunha, das mais importantes, e sua história se mistura com a do Barça pelo incidente que provocou o fechamento do campo “De les Corts”, recorda Mitjans. Ambos clubes se reuniram no antigo coliseu azul-grená para celebrar seus respectivos títulos e jogar uma partida em homenagem a Sociedade de Corais Catalã.

A Marinha Real Britânica, que estava ancorada no porto de Barcelona por esses dias, assistiu ao encontro e interpretou a Marcha Real, então hino da Espanha, antes da partida. O público reagiu com uma acentuada pitada de desgosto e as autoridades fecharam o campo e castigaram o Júpiter com seis meses de suspensão. Apesar de ficar sem futebol, o clube não deixou de combater pela causa revolucionária.

“O clube dava ao movimento grande parte de seus ganhos e em pouco tempo o estádio se transformou em um arsenal”, relatou Júlio Nacarino, ex-presidente do clube, ao jornalista Andrea Sceresini. “Os trabalhadores, jogadores de futebol e anarquistas levavam suas batalhas uns ao lado dos outros”. Ainda que não existam provas claras, os investigadores da época acreditam ser verdade esse tumultuoso capítulo da história do clube, que situa o campo do Júpiter como centro de operações da resistência anarquista ao golpe de Estado de 19 de julho de 1936.

“Quando o rio sobe, a água leva. Nessas coisas sempre existem um ponto de lenda épica, mas é uma história certa”, aponta Mitjans em referência ao relato oral de que a tribuna do campo do Júpiter era como um arsenal clandestino.

“Do campo do Júpiter saíram dois caminhões para combater a insurreição fascista”, afirma Guillamón. “Sairam dali por dois motivos: primeiro porque era aonde viviam os membros importantes da FAI (Federação Anarquista Ibérica); e segundo, porque provavelmente debaixo da tribuna do Júpiter havia um armazém clandestino de armas”.

Todos sabemos como a coisa acabou, e com o início do franquismo o clube voltou a perder a identidade recuperada na Segunda República. “Ao regime, não sei muito bem porque, não agradava muito o nome do clube, assim o rebatizaram como Hércules”, explica Guillamón.

Curiosamente, o destino voltou a relacionar o Júpiter com as passagens mais escuras de nossa história. No antigo campo das Botas, onde nasceu o time e onde estão os edifícios do Fórum das Culturas, foi o lugar escolhido para fuzilar os inimigos da ditadura em Barcelona.

Em 1948, o clube recebeu um golpe que ainda perdura. A equipe que melhor refletia a luta de classes e o ativismo do Poblenou foi transladado pelo regime para o campo da Verneda, no distrito de Sant Martí de Barcelona. De fato, os planos originais do regime eram converter o clube em uma filial do RCD Espanyol e diluir o nome histórico do Júpiter, e com ele grande parte das pegadas anarquistas na cidade.

Afortunadamente, os planos não foram adiante e o Júpiter – que retorna a vestir com orgulho o seu escudo e cores originais desde os anos noventa -, segue combatendo nos dias de hoje na terceira divisão espanhola.

Ainda que não tenham – muitos – anarquistas e o futebol tenha se convertido em uma indústria do capitalismo reinante, a história do Júpiter nos recorda que houve um tempo em que o futebol foi muito mais do que pilhas e pilhas de dinheiro.

Fonte: https://sports.vice.com/es/article/jupiter-anarquia-lucha-dictadura-armas-franquismo-futbol

Tradução > Liberto

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A partida de futebol mais bonita que já existiu

Por Irlan Simões

Em 48 horas o futebol viveu a sua maior tragédia e assistiu ao maior gesto já feito em seu nome.  Nem ele é mais o mesmo.

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Eu não queria falar da Chapecoense. Não queria falar dessa tragédia e de como ela abateu todos nós, amantes do futebol. Mas a noite inspiradora protagonizada pelo Club Atlético Nacional e sua hinchada, com homenagens às 71 vítimas do acidente aéreo, mudou absolutamente tudo.

Toda a dor foi transformada pela solidariedade. Todo esse evento catastrófico e todo o desespero que trouxe no seu rastro foram engolidos pela partida de futebol mais bonita que nós já vimos em vida. E a pelota, aquela que é o começo de tudo isso, teve a humildade de ficar de coadjuvante pela primeira vez na vida.

Uma noite inesquecível. Um gesto ímpar e gigantesco. Um marco. Num momento em que o futebol é cada vez mais maltratado e roubado de nós, ele volta até de um em um, até aos mais céticos, derruba litros de lágrimas e faz a boca soltar involuntariamente um: “vale a pena”.

Foi por causa da morte, essa terrível e inevitável piada, que o mundo do futebol virou um só. No estádio Atanasio Giradort, em Medellín, que todos os torcedores, hinchas, tifosi, supporter e fan foram contemplados nas preces, cantos e palmas dos verdolagas.

A morte fez do futebol um só. Logo ele, tão bem sucedido em lembrar-nos como é estar vivo.

Sempre imaginei o futebol como uma “linguagem universal” que atravessa as fronteiras e se molda ao solo onde foi semeado. Em cada canto desse mundo as pessoas falam a mesma coisa, sem vocabulário e sem alfabeto.

Por amar tanto esse jogo sempre me busquei captar outras “linguagens universais” comparáveis, nos pequenos e grandes costumes desse vasto planeta.  Aqui e acolá pode se observar que todos os povos do mundo dançam, comem, amam, bebem e brigam.

Todos se enfeitam para chamar atenção. Todos brindam as conquistas e os ciclos. Todos sentem saudades do seu céu e do seu chão. Todos fazem música para fazer jorrar aquilo que aqui chamamos de “alma”. Cada um da sua forma, mas da mesma maneira.

O evento trágico da última segunda-feira (28) ensinou que o luto também é uma linguagem universal. Ele se mostrou em centenas de gestos distintos, todos absolutamente compreensíveis aos olhos de quem compartilha ou se solidariza pela dor da perda.

Como é bela, sabemos agora, a forma colombiana de dizer “adeus, não te esqueceremos”. Nessa imensa Pedra da Roseta que é o fazer a vida de cada ser humano, a despedida e a compaixão se mostraram verbetes poderosos.

Ninguém vai embora sozinho. Nenhuma vida terá sido em vão.

Uma partida de futebol nunca é apenas 90 minutos. Ela carrega anos, décadas de entrega, de acompanhamento. Um clube é um castelo construído tijolo a tijolo na vida de cada torcedor.  Para alguns 30 anos, para alguns 60, para outros apenas 2.

Somos eternamente reféns daquilo que aceitamos construir na nossa breve e ridícula estadia nesse mundo.  É por isso que um clube não se abandona. É impossível deixar para trás aquilo que viu crescer sob tempestades devastadoras e glórias memoráveis. Alguém pode até fingir, mas não será jamais capaz de desprezar completamente o clube que já seguiu.

Mas o futebol parece indecifrável para quem nunca o viveu na vida. Por isso tão desprezado. Desprezado por pessoas que ficam possessas porque o bolo sola, esperneiam porque a unha quebra, batem no filho porque a parede mancha… todas essas cabanas de palha de uma vida.

E não entendem o que é chorar ou sorrir por um clube de futebol que se segue desde pendejo.

Um time se vai, a Chapecoense fica. Uma enorme ferida em sua história anestesiada pela solidariedade de tantos outros torcedores que choraram apenas ao imaginar cinquenta membros da sua comunidade deixando a vida num estalar de dedos.

Fica o agradecimento e apoio de cada brasileiro ao gesto colossal do Club Atlético Nacional. A partir de agora todos têm o dever moral de reservar para os Verdolagas de Medellín um espaço no seu coração de torcedor.

Esse é o ano em que o futebol se transforma por completo. Quem sabe essa inspiração sirva para mostrar definitivamente porque ele não pode ter dono: o futebol é grande demais para caber no cofre de alguém.

 

Irlan Simões é jornalista e pesquisador de futebol. Tem uma coluna semanal na Revista Caros Amigos de onde este artigo foi retirado.

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Que façamos o sistema tremer!

 

Por Raphael Sanz

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O Império Romano era imbatível. Havia ganho inúmeras batalhas, nas mais diversas frentes e contra os mais diversos povos no esforço de determinar suas fronteiras. Aos dominados, a Lei Romana, tão estudada hoje pelos futuros juristas. Mas não só a Lei, como também o modo de vida e a cultura imperial eram impostos pela força das armas e da grana. Algumas tentativas de insurreição foram severamente esmagadas e todo aquele que se rebelava era desacreditado, taxado de “bárbaro”, “selvagem”, “animal” e, por fim, escravizado. Um belo dia o Império Romano começou a ruir. Godos e Germanos atacavam pelo norte, Hunos pelo leste e os Vândalos (eles mesmos) pelo sul. Não sou historiador e não sei em que nível esses ataques bárbaros foram coordenados, fato é que os povos e tribos de certa forma se uniram (conscientemente ou espontaneamente, me corrijam!) e derrubaram o invencível, porém decadente, império.

As tribos bárbaras não queriam necessariamente um evento de violência, a princípio. Queriam apenas a liberdade para viverem em seus territórios, com sua gente e suas culturas, sem precisarem se prestar submissas a Lei Romana. Mas como quem tá por cima não aceita a liberdade de quem está por baixo, não houve outra saída. E após longas e duras batalhas, o racionalismo imperial caiu de joelhos diante daqueles selvagens bruxos que eram tidos como o mal do mundo, apenas por quererem a liberdade.

O mundo de hoje, e o Brasil não poderia ser diferente, vive uma situação semelhante. Aquilo que convencionou-se chamar de “capitalismo” ou “sistema” nada de braçada em águas de mares nostruns contemporâneos. Impõe regras de conduta, de comportamento; empecilhos para os de debaixo se afirmarem e reprime com toda a violência possível e imaginária aqueles que manifestam dissenso. Fora do futebol temos inúmeros exemplos. Manifestações de junho de 2013 por exemplo: propondo um rompimento com o status quo acabaram reprimidas violentamente, com direito a olhos arrancados e tiros de balas letais em genitálias, para depois serem complemente desacreditadas e cooptadas pela cultura dominante. Hoje vemos direitos sociais e trabalhistas atacados em nome de um progresso econômico que não tem absolutamente nada a ver com bem estar social. Necessidades básicas como alimentação, habitação, água potável, transporte, saúde, educação, saneamento básico e lazer vão se transformando em privilégios que apenas patrícios imperiais têm o direito de gozar. E no futebol isto não é diferente.

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Especialmente em São Paulo, a capital financeira e econômica da província brasileira do grande império global, algumas brigas bem violentas entre as distintas tribos que vivem nessas terras, comumente chamadas de vândalas (mas que coincidência, não?) justificaram a ofensiva imperial contra as mesmas. Desde idos de 1995 diversas práticas destas tribos vem sendo sistematicamente criminalizadas em uma escalada que faria qualquer Júlio César de vidas passadas parecer um amador.

Primeiro as bandeiras, depois os fogos, depois as vestimentas típicas e tradicionais, em seguida a batucada. Chegou-se ao ponto de vermos legionários armando cercos e bloqueando ruas no entorno dos sagrados templos destas tribos, impedindo sua aproximação. Afinal, todas essas práticas bárbaras “não cabem mais no futebol”, diria um medíocre publicitário imperial. E de fato proibiram tudo, menos a violência. Afinal de contas, violência não se proíbe com leis ou ainda mais violência daqueles que detêm seu monopólio. A única forma de coibir a violência é construir a paz; um processo longo e lento; doloroso e permanente que traz frutos silenciosos, aos poucos, mas que um dia poderá ser notado e comemorado.

Vimos falsos arautos e fajutos paladinos da paz e da justiça, todos de péssimo gosto, se promoverem com esta violência. E como um pescador, que vive da pesca, não quer o fim da vida aquática; estes vermes e abutres que se promoveram, ganharam poder, notoriedade, prêmios e grana com a violência também não têm a menor intenção de construir a paz. Porque a história já mostrou que é mais vantajoso vermos as tribos se matando entre si, do que conversando em paz. Afinal, a união entre os povos; consciente ou não, articulada ou não; foi o que levou abaixo o poder e a opressão romana no passado.

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Ainda não chegamos ao estágio das novas invasões bárbaras; mas estamos sim naquele momento em que os tais vândalos, hunos e godos do presente querem paz e liberdade. E o que está unindo nossas tribos futebolísticas infelizmente foi a tragédia aérea que ocorreu na madrugada da última terça-feira com o plantel da Chapecoense, e que também vitimou jornalistas e tripulação.

Eis que hoje, horas antes da publicação deste texto escrito no calor deste momento que tem tudo para ser histórico, as principais torcidas organizadas dos quatro grandes clubes de São Paulo (com reforço de torcedores do Santo André) se uniram na porta do Pacaembu, templo venerado pelas quatro grandes religiões do nosso futebol para prestar uma homenagem à Chapecoense, aos seus mortos e a sua torcida. Mas além das homenagens, vieram pedir paz e união como forma de se fortalecer na luta pela sonhada liberdade.

“Vivemos em um país que ano passado teve 60 mil assassinatos. Então, a sociedade é violenta, não é só a torcida organizada, somos apenas um reflexo daquilo que acontece na sociedade. Outra coisa: queremos trazer de volta a alegria ao futebol. O futebol tá sem graça, é proibido bandeira, proibido tambor, papel picado e também o próprio torcedor organizado de ir ao estádio. Isso nos une, e aproveitamos esse episódio da Chapecoense para fazer esta união. Como você pode ver, não tem nenhum policial aqui. Nem um. E estamos aqui em paz, frente a frente. Então é isso, a repressão só faz aumentar a violência. Precisamos é de festa e de alegria. A rivalidade tem de continuar existindo senão não existe futebol, agora, o cara pode ser meu adversário sem ser meu inimigo mortal, eu não quero matar ele por causa disso. E a maioria pensa assim. Agora, se fechar qualquer quarteirão paulistano haverá lá uma pessoa violenta, de Torcida Organizada ou não, porque a sociedade é violenta como um todo. E nós estamos cansados dessa criminalização que fazem com as T.O.s. E por que fazem isso? Porque ela luta, reivindica, briga com o dirigente ladrão, com a globo, com a CBF, com o ladrão da merenda. É essa a repressão que vem pra cima da gente e estamos querendo mostrar que é possível uma união, mantendo a rivalidade, contra o futebol moderno e a favor do povão outra vez tomando conta dos estádios”, afirmou Chico um representante da Gaviões da Fiel na praça Charles Miller, com toda a sabedoria que emana da barba branca e dos cabelos brancos que ostenta.

“Já temos conversado entre as diretorias faz um tempo, e chegamos a conclusão que o futebol é festa, é paixão, e estão nos tirando esse direito, muitas vezes por causa de uns problemas internos. Então nos solidarizamos com esse caso da Chapecoense e não tem como fugirmos desse eixo humanitário. E se pra vocês essa união é uma surpresa, para nós não é, porque tem sido semeada à base de muito trabalho e vamos continuar com isso para os próximos anos”, afirmou um representante da Mancha Verde que emendou: “muitas vezes a violência acontece porque a rapaziada não tem mais direito a lazer, nem a cultura e nem ao estádio, com tudo banido, inclusive a festa na arquibancada, então acabam praticando a violência como um subterfúgio, mas estamos tentando reverter isso e trabalhar para esse bem maior que é a paz”. Ele terminou dizendo que deixou o orgulho de clube em segundo plano em prol de algo maior.

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Dois torcedores de velha guarda que se conheceram em uma briga e hoje são amigos, o Chico da Gaviões e um outro senhor da Jovem do Santos conversavam relembrando de lutas passadas, não entre torcidas, mas contra a ditadura militar. E o santista sintetizou: “O torcedor unido é forte e eles tem medo dessa união. E eu tenho certeza que essa união veio pra ser selada. Parabéns a todos os dirigentes e a todo mundo que tá aqui hoje”, definiu com o ar de serenidade que só a idade, a experiência e a esperança podem trazer consigo.

Se essa união permanecerá ainda não sabemos. Há muitos céticos, como eu, que preferem esperar para ver. Mas é inegável que o que aconteceu hoje no Pacaembu já está marcado nos corações de muita gente de arquibancada: de organizada ou não. Resta ver até onde isto irá. Espero, do fundo do meu coração alviverde, que vá longe. E que como Spártacus – líder de uma rebelião de escravos no velho Império Romano – falou um dia, “façamos o império tremer!”

É para isto que torcemos. Para termos liberdade. E aos que nos negam a liberdade e se aproveitam das nossas tragédias, espero que só lhes restem a lata de lixo da história! Mas isso dependerá apenas de nós, não deles.

 

Observação: Pra quem quiser ver imagens desta tarde, recomendo muito a cobertura ao vivo do Esporte Interativo, um canal que recém fechou os direitos de transmissão com Santos e Palmeiras e que tem um grande amigo no time de repórteres. Neste link você pode acompanhar todas as aspas que estão nesse texto e muitas outras falas que vão no mesmo sentido.

 

Viva a Mancha Verde!

Viva a Gaviões da Fiel!

Viva a Jovem do Santos!

Viva a Independente!

Viva a torcida do Santo André!

Viva as Torcidas Organizadas!

E viva o futebol brasileiro!

Para Sempre Chapecoense!!!

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Eu e o Mário Sérgio…

Vos apresento Marcelo Mendez, o último da tríade de grandes monstros sagrados que toparam colaborar com a Destilaria da Bola. Ele que é jornalista esportivo experiente, de longa data (não, Marcelo, não o estamos chamando de velho=) e tem uma coluna semanal no jornal ABCD Maior sobre futebol de várzea, onde este texto foi publicado originalmente. Parmerista de criancinha, Marcelo presta sua homenagem ao craque Mário Sérgio, uma das vítimas do acidente que vitimou jornalistas, tripulação, comissão técnica e jogadores da Chapecoense. Uma verdadeira obra de arte que merece ser lida e relida.

Eu e o Mário Sérgio….

Por Marcelo Mendez

“Meu maior divertimento de menino era ver o Mário com 10 do Palmeiras”

Teve uma noite em casa, em 1984, que chamei meu pai, como sempre fazia para irmos ao Parque Antártica ver o Palmeiras em um jogo do Campeonato Paulista que se iniciava. O velho que estava lendo um livro que eu lembro bem, do Celso Furtado, parou e me falou:

Mário Sérgio morreu a caminho da Colômbia, quando comentaria a final da Copa Sul-Americana na FOX Sports. Foto: Divulgação FOX

Mário Sérgio morreu a caminho da Colômbia, quando comentaria a final da Copa Sul-Americana na FOX Sports. Foto: Divulgação FOX

“Sabe filho, acho que já tá na hora de você começar a ir ao estádio sozinho. Já tá com 14, é esperto, sabe andar bem em São Paulo e vai ser uma experiência muito boa para você.”

“Sério??? E a mãe?”

“Bom, deixa que me viro com ela…”

Não deu para ir no jogo do domingo, mas na semana seguinte, após as argumentações de meu pai e do saudoso tio Bida, minha mãe tomou uns calmantes e me deixou ir. O jogo seria no Pacaembu, tio Bida deu uma grana pro cachorro quente e guaraná, o pai deu o dinheiro do ingresso e da condução e lá fui eu assistir Palmeiras e América de Rio Preto pelo Paulistão.

E a única coisa que me lembro era do Mário Sérgio.

O classudo canhoto, dono da camisa 10 verde, jogava o fino da bola, dava soneto ao invés de apenas passes, encheu Luizinho Lemos de bola, o Palmeiras venceu, foi um espetáculo e dali para frente meu maior divertimento de menino era ver o Mário com a 10 do Palmeiras.

Mas aí vieram os homens e estragaram a festa…

Mário Sérgio foi pego em um exame de doping, o julgamento deu 4 a 4 e mesmo assim o Palmeiras foi punido, perdemos os pontos, o campeonato e o camisa 10. Mário se foi e eu fui com ele.

Por onde o Vesgo andou, eu o segui por profissão de fé. Eu era um mendigo do futebol, de pires na mão, clamando por um pouco de arte e o Mário sempre me deu aos montes. Em 1988, vi uma tal Copa Pelé de Masters do Luciano do Vale só para vê-lo jogar, só para eu poder me encantar um pouco e ele sempre me encantou.

Passou o tempo.

Mário Sérgio se tornou comentarista e eventualmente a gente se esbarrava por aí. Sempre muito gentil, muito sacana, bem humorado, cheio de causos e histórias. Tínhamos uma primeira conversa para marcar uma entrevista para o Museu da Pelada e então, bem…

Um voo para Antioquia, na Colômbia, botou um ponto final em tudo. De você agora, meu camisa 10, só lembro do tempo que você me fez feliz. De quando você olhava para um lado e metia a bola para o outro. Um tempo que fui muito feliz, que eu era menino que, imagina, “até ia sozinho para São Paulo!”

Ia para te ver jogar, 10.

Agora você vai jogar para outros lados, vai para outros lados ae. Vai na fé, craque. É duro te escrever com a lágrima que escorre a cara agora, mas eu sei que por onde você for você estará bem.

Você foi grande na vida, Craque.

Vai em paz e muito obrigado, Mário Sérgio.

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*Após se aposentar como jogador, Mário Sérgio foi técnico do São Caetano entre 2002 e 2003 e depois virou comentarista.

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